domingo, 23 de abril de 2017

26 DE ABRIL: OS HOMENS DO PRESIDENTE


OS HOMENS DO PRESIDENTE (1976)

1. Sábado, 17 de Junho de 1972, 2.30 da madrugada, cinco homens penetram no Watergate Office Building, em Washington, e entram na sede do Comité Nacional do Partido Democrático, que se encontra ali instalado. Trata-se de um assalto. Com fins que se suspeita inconfessáveis, quando os assaltantes são surpreendidos pela polícia. Os cinco homens fotografam documentação e colocam microfones que iriam permitir escutar as conversas ali mantidas. Não são gatunos vulgares. Vestem elegantemente e dispõem de máquinas e aparelhos extremamente sofisticados. Presos, irão ser julgados. Como normalmente, os jornais delegam para estes casos de aparente pouca importância, os “fait divers” do dia-a-dia de uma grande metrópole, os seus repórteres estagiários. É aí que se “roda” o ofício e adquire experiência. “The Washington Post”, por exemplo, envia para “cobrir” o julgamento Bob Woodward, um jovem com nove meses de casa.
É Bob Woodward (Robert Redford) quem se senta na sala de audiência, pronto a redigir mais uma notícia de poucas linhas e significado meramente “anedótico”. Mas a audiência principia de forma estranha: os réus, que não tinham tido oportunidade de solicitar advogados e para os quais haviam sido indicados “oficiosos”, encontram na sala advogados de certa influência, que ali dizem estar como “observadores”. Quando o juÍz principia o interrogatório, um dos presos afirma ser de profissão “anticomunista”. Confessa-se depois “técnico de seguros” e, na resposta seguinte, denuncia todo o jogo, confessando ter trabalhado recentemente na Agência Central de Informações (vulgo CIA).
Woodward pressente neste momento que os porto-riquenhos e cubanos refugiados que se encontram na barra do tribunal não são só eles próprios, mas algo que os ultrapassa. Descobre, sobretudo, que é necessário investigar o que está por detrás daquele grupo de homens apanhados a violar um “escritório”. Regressado a “The Washington Post”, colocará estas e outras dúvidas aos seus chefes de redacção. Junta-se ao seu trabalho um outro redactor de “The Post”, Carl Bernstein (Dustin Hofman), homem de maior experiência, ainda que igualmente bastante jovem, pessoa tida como excelente “pescador” de informações. Este reforço surge a Woodward simultaneamente antipático e bem-vindo.
Acabará por aceitá-lo e partem ambos à conquista de uma cidade. No que viria a ser um dos mais importantes inquéritos jornalísticos de toda a história da América. “Uma bela prova de jornalismo à americana”, como um dos chefes de redacção de “The Post”, o chamará.
2. “All the President's Men” é o filme que Alan J. Pakula dirigiu, co-produzido por Robert Redford e Walter Coblenz, partindo do livro que entretanto Carl Bernstein e Bob Woodward editaram. O filme acompanha o percurso dos dois jornalistas que lançam o repto a uma nação e aceitam investigar as suas instituições e interrogar as pessoas até descobrirem o que quer integralmente dizer “Watergate”. O cinema americano tem uma honrosa tradição neste tipo de cinema, estilo “detective particular”, sendo muitas vezes esse “detective” um jornalista. Que o ateste Bogart em “A Última Ameaça”, por exemplo.


Desses cinco homens inicialmente apanhados, que mais não eram do que peões de um xadrez muito complexo, Woodward e Bernstein vão lentamente localizando mais nomes, referências, dados, elementos a reunir, a ligar e interligar, num majestoso puzzle que acaba por atingir os homens de confiança do presidente, e finalmente, o próprio Nixon, que se vê constrangido à demissão pública. É deste modo que se descobre que o aparelho reeleitor de Richard Nixon há já muito tempo usava e abusava das técnicas mais sujas para vencer o adversário político, neste caso o Partido Democrático, aqui encabeçado por Mac Govern. Todos os processos eram julgados próprios, da calúnia à violação de residências, das escutas telefónicas à sabotagem de reuniões privadas.
A América assiste, estupefacta. Começa por não acreditar, mas tem de aceitar a força dos argumentos apresentados pelos dois jovens jornalistas. Argumentos irrefutáveis que provam que o banditismo pode ascender também à presidência.
3. “Os Homens do Presidente” é ainda (ou talvez sobretudo?) exemplar como demonstração de uma metodologia da investigação jornalística e da ética profissional que um homem como Ben Bradlee (Jason Robards) personifica. Enquanto os repórteres esmiúçam nomes e endereços, as acusações só saem para a rua, impressas em letra de forma, quando as informações se encontram devidamente comprovadas, incontroversas. Demonstração de algo essencial em jornalismo, que será a base da própria profissão: não acusar ninguém sem um máximo de garantia da veracidade dos factos imputados.
No caso presente, todo o deslindar de “Watergate” poderá ter sido comprometido por uma informação saída a destempo. Não se trata aqui de jornalismo de sensação, emporcalhado pela ignomínia dos processos, mas de jornalismo escorreito, honestamente frontal e combativo, que sabe onde deve deter-se, obrigando-se à pausa reflexiva. “All the President's Men” é, neste aspecto, exemplar.


À fogosidade generosa e impulsiva de Bernstein e Woodward corresponde a serena determinação de Bradlee. Do trabalho conjunto surge este verdadeiro hino a uma imprensa livre e crítica, objectiva e criadora.
Sinfonia a preto e branco (ainda que rodada a cores), “All the President’s Men” alterna, por meio de uma montagem invulgar, no ritmo do corte, na segurança da elipse e do raccord, dois tempos perfeitamente definidos. De um lado, a luz berrante da redacção de “The Washington Post”, do outro, os meandros sombrios que envolvem “os homens do presidente”. A investigação é esse rasgar das trevas, esse progressivo iluminar de ambientes, esse trazer à luz de informações. O filme é a contínua revelação. O desvendar. O desobstruir. O que fica desde logo assinalado na sequência inicial, quando um edifício em completa escuridão é percorrido por cinco indivíduos, enquanto a luz vai avançando pelas salas, conquistando as trevas, rasgando a escuridão, à medida que a polícia penetra nas salas.
Por vezes é das trevas que nasce a luz, como nas cenas em que Woodward se encontra com “Garganta Funda”, seu informador secreto, elemento preponderante ao longo da investigação. Ele é o emissário da noite que aceita conferenciar com a luz. Luz que vai lentamente progredindo ao longo de garagens e ruas desertas e sombrias, de elevadores e casas sinistras, de interiores de carros e de asfaltos nocturnos.
6. De uma sobriedade de escrita que poderá julgar-se “facilidade” de escrita, mas que representa, muito pelo contrário, uma opção estética deliberada e conscientemente assumida, “All the President's Men” é um trabalho minucioso de reconstituição de ambientes, de figuras, de dados, quase podendo falar-se de um “ultra-realismo” encenado rigorosamente e que, no final, se balanceia ao ritmo e segundo o suspense de um “policial” ou de um “filme negro”. Que também é. A cuja tradição vai buscar fôlego e dinâmica própria. Porque se segue “Os Homens do Presidente” com a inquietação e a perplexidade de um “policial”, assim como se interroga a realidade com a lucidez e a perspicácia de quem acompanha um ensaio político.
O Poder, a Política. A corrupção. Derrotados pelas armas que são as teclas de uma máquina de escrever. Que explodem no écran com o impacto terrível de uma detonação mortal. “Os Homens do Presidente” abrem e fecham com a pedrada seca de um telex que grita a todo o mundo a vitória da justiça e da força dos seus argumentos. Como o recorda Bradlee: “É bom que se esqueça o mito que a Imprensa cria à volta da Casa Branca. Eles não são tão espertos como querem fazer crer”. E mais adiante: “Porque o que está em causa neste caso é o primeiro aditamento à Constituição, a liberdade de Imprensa, mesmo o futuro do país”.
A vitória dos dois jornalistas e de “The Washington Post”, longe de ser um “final feliz” e tranquilizante para o espectador, é simultaneamente um alerta sobre a corrupção que alastra e a afirmação indesmentível da força da razão. Quando da razão se faz força, e por ela se luta. Exemplar ainda e encorajante.
7. Difícil se torna, a finalizar, sublinhar a qualidade vibrante da montagem, a eficiência simbólica da fotografia, o rigor da reconstituição. Dos intérpretes, falar da segurança de Redford (produtor do filme e um dos principais instigadores de todo o desenrolar desta reportagem explosiva) ou do talento nervoso de Dustin Hofman poderá ser desnecessário. Mas importará não esquecer o brilhantismo de todos os secundários. Jason Robards e Jack Warden à cabeça. A toda uma equipa que Alan J. Pakula soube dirigir com maestria de um «clássico» e o arrojo de um jovem, se deve este belo exercício de estilo e de moral.


OS HOMENS DO PRESIDENTE
Título original: All the President's Men

Realização: Alan J. Pakula (EUA, 1976); Argumento: William Goldman, Segundo obra de Carl Bernstein e Bob Woodward; Produção: Jon Boorstin, Michael Britton, Walter Coblenz; Música: David Shire; Fotografia (cor): Gordon Willis; Montagem: Robert L. Wolfe; Casting: Alan Shayne; Guarda-roupa: Bernie Pollack; Design de produção: George Jenkins; Decoração: George Gaines; Maquilhagem: Fern Buchner, Don L. Cash, Romaine Greene, Lynda Gurasich, Gary Liddiard; Direcção de Produção: E. Darrell Hallenbeck; Assistentes de realização: Bill Green, Kim Kurumada, Art Levinson, Charles Ziarko; Departamento de arte:  Mike Higelmire, Roger Irvin, Robert Krume, Alan Levine, Bill MacSems, George Szeptycki; Som: Clint Althouse, Milton C. Burrow, Les Fresholtz, Chris McLaughlin, James E. Webb; Efeitos especiais: Henry Millar; Companhias de produção: Warner Bros., Wildwood Enterprises; Intérpretes: Dustin Hoffman (Carl Bernstein), Robert Redford (Bob Woodward), Jack Warden (Harry Rosenfeld), Martin Balsam (Howard Simons), Hal Holbrook (Deep Throat), Jason Robards (Ben Bradlee), Jane Alexander (guarda-livros), Meredith Baxter (Debbie Sloan), Ned Beatty (Dardis), Stephen Collins (Hugh Sloan), Penny Fuller (Sally Aiken), John McMartin, Robert Walden, Frank Wills, F. Murray Abraham, David Arkin, Henry Calvert, Dominic Chianese, Bryan Clark, Nicolas Coster, Lindsay Crouse, Valerie Curtin, Gene Dynarski, Nate Esformes, Ron Hale, Richard Herd, Polly Holliday, James Karen, Paul Lambert, Frank Latimore, Gene Lindsey, Anthony Mannino, Allyn Ann McLerie, James Murtaugh, John O'Leary, Jess Osuna, Neva Patterson, George Pentecost, Penny Peyser, Joshua Shelley, Sloane Shelton, Lelan Smith, Jaye Stewart, Ralph Williams, etc. Duração: 138  minutos; Distribuição em Portugal: Warner; Classificação etária: M/ 12 anos.

domingo, 16 de abril de 2017

19 DE ABRIL: NA SOMBRA E NO SILÊNCIO


NA SOMBRA E NO SILÊNCIO (1963)

“Na Sombra e no Silêncio” (To Kill a Mockingbird), de Robert Mulligan (1963), uma produção de Alan J. Pakula, baseada no romance de Harper Lee, foi considerado o melhor filme de sempre sobre temas de tribunais, numa classificação organizada há uns anos pelo American Film Institute (1). Curiosamente, a obra só decorre em pleno tribunal durante pouco tempo, mas aborda temas muito interessantes no âmbito da justiça. Fá-lo discretamente, através de uma subtil e poética crónica da vida de uma pequena comunidade norte-americana, durante os anos 30, atravessa-se então a Grande Depressão.
Visto pelos olhos de duas crianças, Jem e Scout (Phillip Alford e Mary Badham), filhos de Atticus Finch (Gregory Peck), um advogado viúvo, de uma integridade a toda a prova, o esquema de “Na Sombra e no Silêncio” não se esgota na estrutura do vulgar filme de tribunal, rodando em redor da troca de argumentos entre acusação e defesa. Vai muito mais longe do que isso, pretendendo ser um retrato de uma época, um período dominado pela miséria e a necessidade mais primária (um dos habitantes da terra, que Atticus defendera, paga-lhe em géneros, como sacos de nozes), um racismo violento (que durante muito tempo caracterizou o Alabama como um dos estados mais trágicos neste registo de violência), um conservadorismo reaccionário como poucos (veja-se, na sequência do tribunal, a constituição do júri que julga um possível caso de violação de uma branca por um negro que é formado apenas por homens brancos).
Falando de Monroeville. Acontece que quando Robert Mulligan e o seu amigo e produtor Alan J. Pakula (igualmente realizador de alguns filmes brilhantes) visitaram Monroeville, para escolherem possível locais de filmagem, encontraram uma cidade muito modificada, onde muito pouco puderam rodar. Optaram por reconstruir as ruas de Monroeville nos estúdios da Universal, e o resultado não deixa de ser excelente pela credibilidade do produto final. Credibilidade que lhe é anualmente reconhecida por mais de 30.000 turistas, que a visitam em busca dos locais onde se terão passado as cenas do livro e do filme. Tudo isso transformou Monroeville e Monroe County na "Literary Capital of Alabama."

O retrato que Mulligan oferece de uma comunidade não se fica apenas por uma linha ficcionista linear, mas tece uma inteligente e sensível teia de emoções que o facto de os protagonistas serem crianças reforça por essa aprendizagem de vida. Jem e Scout vão descobrindo o que é o racismo, vão surpreendendo o medo, quando lho incutem ao falarem de um vizinho fantasmagórico, medonho, que vive fechado na casa ao lado da sua, aprisionado pelo pai, “um homem muito mau”. É um filme que, através de pequenos apontamentos, nos alerta para “o compromisso” que decorre do facto de se viver em sociedade, para o respeito pelo outro, quer seja um suposto “monstro” (que afinal não passa de um tímido jovem desambientado) ou seres com a pele de cor diferente.
“To Kill a Mockingbird” arranca com um genérico muito bonito, que irá dar o tom simbólico a toda a obra. São pequenos objectos guardados numa caixa que se abre e se vão revelando, como se irá revelar a dureza da vida a cada um dos jovens que a guardam. Há segredos, “coisas feias e más do mundo” que Scout e Jem vão descobrindo, assim como se vai exibindo a seus olhos a dignidade do ser humano, que não hesita em lutar por causas justas, mesmo pondo a sua vida em risco.


O drama de Harper Lee, que lhe mereceu o Prémio Pulitzer de 1961, passa-se em Maycomb, cidadezinha imaginária, em grande parte inspirada na cidade natal de Lee, Monroeville, no Estado do Alabama. Curiosamente, esta é uma autora de um único romance, o que lhe bastou para ser considerada uma das grandes vozes da literatura norte-americana. Conta-se que terá auxiliado muito um outro conterrâneo seu, Truman Capote, nascido na mesma cidade e seu amigo de infância, quando este preparava na região a escrita de “A Sangue Frio”.
Durante muitos anos, “To Kill a Mockingbird” (Mataram a Cotovia, na sua tradução portuguesa) e de uma dezena de artigos dispersos por publicações várias, tinha sido tudo quanto Harper Lee dera aà luz, reservando-se numa vida discreta e retirada. Muito recentemente, apareceu o seu segundo romance, “Vai e Põe Uma Sentinela” (Go Set a Watchman), inédito até então por vontade da autora, e cujo manuscrito se julgava perdido.
Descoberto em 2014, mantém muitos dos personagens dessa mítica obra, agora 20 anos mais velhos. Não terá trazido nada de muito significativo a “Não Matem a Cotovia” que alcançou projecção mundial aquando da sua publicação e posterior premiação, depois muito reforçada com a sua adaptação a filme, ele próprio um êxito de público e de crítica, triunfando em diversos importantes festivais e atingindo oito nomeações para os Oscars de 1963, tendo ganho três (Melhor Actor, Gregory Peck; Melhor Argumento Adaptado, Horton Foote; Melhor Direcção Artística, a preto e branco, Alexander Golitzen, Henry Bumstead, Oliver Emert). As outras nomeações foram para Melhor Filme, Alan J. Pakula; Melhor Realizador, Robert Mulligan; Melhor Actriz Secundária, Mary Badham; Melhor Fotografia a preto e branco, Russell Harlan; e Melhor Partitura Musical, Elmer Bernstein.
Deve dizer-se que Gregory Peck tem aqui a melhor representação de toda a sua filmografia, sendo que os miúdos Phillip Alford e Mary Badham, sobretudo esta última, arrancam trabalhos inesquecíveis. Curiosidade: o misterioso e inquietante vizinho Boo Radley (nome que faz relembrar o mítico Boogeyman, o monstro dos contos de terror que servia para amedrontar as crianças) é interpretado por Robert Duvall, num dos seus primeiros trabalhos no cinema. Também ele irá protagonizar uma das cenas mais curiosas de um ponto de vista jurídico: um xerife resolve abafar um crime, transformando-o em acidente, pois de outra forma seria como “matar um rouxinol”, afinal a grande, ou uma das grandes, conclusões desta obra magnífica, onde a banda sonora e a fotografia a preto e branco muito contribuíram para o seu estrondoso sucesso.
Robert Mulligan (1925–2008) foi um brilhante realizador norte-americano, de televisão e cinema, tendo deixado um importante conjunto de obras de fundo humanista, excelentes retratos de jovens e inspiradas reconstituições de ambientes sociais, entre os quais este “To Kill A Mockingbird” (1962), mas também “Amar Um Desconhecido” (Love with the Proper Stranger,1963), “O Estranho Mundo de Daisy Clover” (Inside Daisy Clover,1965), “Errando pelo Caminho” (Baby the Rain Must Fall, 1965), “O Último Degrau” (Up the Down Staircase, 1967), “Emboscada na Sombra” (The Stalking Moon, 1969), “Verão de 42” (Summer of '42, 1971), “Em Busca da Felicidade” (The Pursuit of Happiness, 1971), “O Outro” (The Other, (1972), À Mesma Hora para o Ano Que Vem” (Same Time, Next Year, 1978) ou “O Homem da Lua” (The Man in the Moon, 1991). Durante os anos 60, colaborou várias vezes com o seu amigo produtor Alan J. Pakula.

NA SOMBRA E NO SILÊNCIO
To Kill a Mockingbird (original title)

Realização: Robert Mulligan (EUA, 1962); Argumento: Horton Foote, segundo romance de Harper Lee ("To Kill a Mockingbird"); Produção: Alan J. Pakula; Música: Elmer Bernstein; Fotografia (p/b): Russell Harlan; Montagem: Aaron Stell; Direcção artística: Henry Bumstead, Alexander Golitzen; Decoração: Oliver Emert;  Guarda-roupa: Rosemary Odell; Maquilhagem: Larry Germain, Bud Westmore, Frank Prehoda, Lavaughn Speer; Direcção de produção: Edward Muhl, Ernest B. Wehmeyer; Assistentes de realização: Joseph E. Kenney, Terry Morse Jr., Charles R. Scott Jr.; Departamento de arte: Gene Johnson, Fred Knoth; Som: Corson Jowet, Waldon O. Watson, Charlie Cohn, James Curtis, James V. Swartz;  Efeitos Especiais: Don Wolz; Companhias de Produção: Universal International Pictures, Pakula-Mulligan, Brentwood Productions; Intérpretes: Gregory Peck (Atticus Finch), John Megna (Dill Harris), Frank Overton (Sheriff Heck Tate), Rosemary Murphy (Maudie Atkinson), Ruth White (Mrs. Dubose), Brock Peters (Tom Robinson), Estelle Evans (Calpurnia), Paul Fix (Juiz Taylor), Collin Wilcox Paxton (Mayella Violet Ewell), James  (Bob Ewell), Alice Ghostley (Tia Stephanie Crawford), Robert Duvall (Boo Radley), William Windom (Mr. Gilmer), Crahan Denton (Walter Cunningham Sr.), Richard Hale (Nathan Radley), Mary Badham (Scout), Phillip Alford (Jem), R.L. Armstrong, Bobby Barber, Danny Borzage, Jess Cavin, Steve Condit, David Crawford, Jamie Forster, Charles Fredericks, Jester Hairston, Chuck Hamilton, Kim Hamilton, etc Duração: 129 minutos; Classificação etária: M7 12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Universal Pictures Portugal, Lda.; Data de estreia em Portugal: 14 de Abril de 1965.

12 DE ABRIL DE 2017: FÚRIA DE VIVER

segunda-feira, 3 de abril de 2017

5 DE ABRIL DE 2017: O GRANDE GATSBY


O GRANDE GATSBY 
de Jack Clayton (1974) a Baz Luhrmann (2013)


The Great Gatsby”, do norte-americano F. Scott Fitzgerald, é considerado um dos grandes romances do século XX e um dos que melhor retrata o brilho e o glamour dos anos 20 e, ao mesmo tempo, todas as contradições sociais e morais que esta época encerrou e que haveria de desencadear primeiramente a Grande Depressão da década de 30 e, posteriormente, o conturbado período das ditaduras, sobretudo na Europa.
Publicado em 1925, tem como cenário Nova Iorque e Long Island, decorria o verão de 1922. A América sai do pesadelo da I Guerra Mundial, atravessa a Lei Seca, a proibição da venda de bebidas alcoólicas, o aparecimento do gangsterismo em grande escala, deixa-se levar pelas fortunas que se fazem e desfazem num ápice, sofre o boom bolsista, a efervescência financeira, as bolhas imobiliárias, dança ao som da explosão do jazz e da loucura das grandes festas, fervilha com a euforia de uma sociedade a viver na base de uma sensualidade desbragada, de um materialismo desenfreado, e extasia-se com a criatividade das artes, da literatura ao cinema, da música ao teatro, da pintura à arquitectura. Vive-se perigosamente ao volante de carros que atingem os 40 ou 50 quilómetros / hora, de aviões, de transatlânticos, consome-se whisky e drogas, viaja-se até Paris para se estar actualizado com as últimas do mundo. Fitzgerald passa por lá, tal como Hemingway, e tantos outros.
Nick Carraway, o narrador de “The Great Gatsby”, é um bom retrato deste escritor fascinado pelas luzes e os sons, pela vertigem e os amores funestos, pelo glamour dos milionários e do ambiente, mas, ao mesmo tempo, ciente de que tudo isso representava algo de profundamente sintomático de uma decadência moral e de uma gritante desigualdade social.

Curiosamente, “The Great Gatsby” não conheceu desde logo o sucesso de que hoje goza. Apesar de adaptado ao teatro, em 1926, numa produção do Ambassador Theater, da Broadway, escrita para palco por Owen Davis, encenada por George Cukor, e até ter tido uma versão cinematográfica, “O Grande Senhor Gatsby”, igualmente de 1926, realizada por Herbert Brenon, com Warner Baxter, Lois Wilson e Neil Hamilton, nos principais papéis. Mas a recepção popular foi tímida, e nas décadas seguintes continuou a não ser devidamente valorizado. Só depois da II Guerra Mundial, quando voltou a ser reeditado, entre 1945 e 1953, ganhou o folego que presentemente lhe é dedicado. Sem qualquer tipo de hesitação se pode afirmar que este é não só um romance de uma geração, mas também uma obra que ultrapassa gerações e períodos e se instala na qualidade de clássico. Li-o várias vezes ao longo da vida, reli-o agora por causa da estreia do filme de Baz Luhrmann, e o encantamento supera-se, a cada nova leitura. A delicadeza da escrita, a inteligência da estrutura narrativa, a forma subtil, mas acutilante, como situa personagens e situações, a fina descrição das contradições sociais, afloradas sem demagogia, mas delimitadas com minucia, tudo isto faz do romance uma obra admirável, única.
Nick Carraway, o narrador, o escritor que nos conta o que vamos ler, é um jovem corrector de bolsa que vem trabalhar para Nova Iorque e se instala em Long Island, numa casa vizinha do palacete de um excêntrico milionário, Jay Gatsby. Um braço do Atlântico separa-o da mansão de Tom Buchanan, um rico jogador, casado com Daisy, prima de Nick.
Gatsby tem um passado nebuloso, parece que passou por Oxford, enriqueceu possivelmente à custa das bebidas proibidas, dá festas sumptuosas, todos os sábados, para onde convergem centenas de pessoas, a maioria das quais sem convite. Sabe-se depois que Gatsby ama há muito Daisy e que estas festas são uma forma de “chamar” Daisy para junto de si, o que não acontece. Ela não comparece. Para se fazer encontrar com ela, pede a Nick que improvise um chá em sua casa, tido como ocasional. O drama sentimental explode e será o centro nevrálgico do romance, mas, por detrás desta má gestão das emoções, há todo um retrato de uma sociedade que é particularmente bem dado, em pinceladas imprecisas, mas extremamente justas.

F. Scott Fitzgerald é um escritor admirável, a sua obra não é vasta, mas é inesquecível. Nascido em 1896 no Minnesota, haveria de morrer novo, em Hollywood, no ano de 1940. A sua vida foi acidentada, o casamento com Zelda Sayre conflituoso, e terminaria em tragédia, com o internamento dela num hospício, e os excessos, sobretudo o álcool, haveriam de precipitar a sorte do escritor. Para lá desse fabuloso “The Great Gatsby”, assinou ainda “Este Lado do Paraíso”, “Belos e Malditos”, “Terna é a Noite”, “Contos da Era do Jazz”, e “The Last Tycoon” (O Último Magnata), este publicado postumamente, em 1941.
“The Great Gatsby” conheceria ainda duas outras adaptações ao cinema, antes desta que se encontra presentemente em salas de estreia. Uma de 1949, “Cruel Mentira”, no seu título português, uma realização de Elliott Nugent, interpretada por Alan Ladd, Betty Field, Macdonald Carey, outra de 1974, dirigida pelo britânico Jack Clayton, com argumento escrito por Francis Ford Coppola e um elenco de luxo, Robert Redford, Mia Farrow, Bruce Dern. Uma obra bastante interessante.

Baz Luhrmann, que assina a última versão, apresentada em 3D, é australiano e um cineasta muito particular. A sua filmografia é reduzida em títulos, mas exuberante em resultados. Há quem goste, quem admire profundamente, quem não tolere. “Strictly Ballroom” (Vem Dançar!), data de 1992, é a sua primeira longa-metragem como realizador. Seguem-se “Romeo + Juliet” (1996), “Moulin Rouge!” (2001) e “Austrália” (2008). Excessivo e luxuriante nas suas criações, era com muita curiosidade que se esperava a sua versão de “The Great Gatsby” (2013), com Leonardo DiCaprio e Carey Mulligan, rodada em grande parte na Austrália, precisamente em Sidney.
O resultado foi recebido de forma catastrófica por grande parte da crítica, mas julgo que existe um enorme preconceito e muita má vontade neste juízo. A obra, sobretudo vista em, 3D, é muito desequilibrada, surpreendente, inquietante, mas globalmente muito interessante e fascinante pelas propostas e pelos resultados conseguidos. O arranque não é brilhante, durante quinze a vinte minutos cheguei a temer o pior, mas depois entramos no espírito da proposta, mergulhamos na nebulosa estilística e começa-se a perceber as intenções do cineasta, que cria um produto absolutamente novo: não é um filme tradicional, nem sequer se aproxima dos vulgares filmes em 3 D, onde os efeitos se impõem por si só.
Em “O Grande Gatsby”, as 3D associam-se a outros processos para oferecerem uma profundidade de campo, um desmultiplicar de planos que torna a obra muito sugestiva. Neste, como em outros aspectos, lembra-nos “O Mundo a Seus Pés”, de Orson Welles. Ao que assistimos são imagens que se estendem no espaço, uma banda sonora que se multiplica, com narração e vozes das personagens, uma história que vem do passado e se estende para o futuro, ancorada num frágil presente, são visões de uma estrutura social que só pode tender à tragédia, com a sofisticada existência dos milionários, ricos e belos, mas igualmente malditos, e um coro de operários e desprotegidos que os cerca e os caracteriza obviamente como inúteis e fúteis. E perigosos.
As 3D funcionam como complemento mais visível desse espraiar por diferentes planos: temos personagens em primeiro plano, palacetes ao fundo, o mar a intervalá-los, temos pedaços de folhas de papel rasgados, letras e frases que flutuam entre o espectador e o ecrã. Um ou outro efeito pode ser de gosto duvidoso, mas de um modo geral, o filme consegue impor um estilo e arrancar sequências notáveis, cenas de rua com multidões, Time Square em dia de romaria, festas de arromba, mas também estradas negras povoadas de operários trabalhando nas obras, enquanto os carros brilhantes dos milionários as cruzam em alta velocidade, ignorando tudo o que não seja a sua febre de viver, a todo o custo.
Há muita cinefilia dispersa ao longo da obra. Um cadáver a boiar numa piscina relembra obviamente “O Crepúsculo dos Deuses” e a própria figura do escritor se aproxima da protagonizada por William Holden. Orson Welles não deixa de ser sugerido, até pela composição de Leonard Di Caprio.
Baz Luhrmann não terá criado a obra-prima que este filme poderia ter sido, mas o seu arrojo e as suas propostas, juntamente com o trabalho dos actores e a competência dos técnicos, merecem seguramente a nossa atenção. É um relativo falhanço, mas um glorioso relativo falhanço.



O GRANDE GATSBY
Título original: The Great Gatsby
Realização: Baz Luhrmann (Austrália, EUA, 2013); Argumento: Baz Luhrmann, Craig Pearce, segundo romance de F. Scott Fitzgerald; Produção: Lucy Fisher, Catherine Knapman, Baz Luhrmann, Catherine Martin, Anton Monsted, Douglas Wick; Música: Craig Armstrong; Fotografia (cor): Simon Duggan; Montagem: Jason Ballantine, Jonathan Redmond, Matt Villa; Casting: Nikki Barrett, Ronna Kress; Design de produção: Catherine Martin; Direcção artística: Damien Drew, Ian Gracie, Michael Turner; Decoração: Beverley Dunn; Guarda-roupa: Catherine Martin; Maquilhagem: Catherine Biggs, Lara Jade Birch, Maurizio Silvi, Brydie Stone, Lesley Vanderwalt, Kerry Warn; Direcção de produção: Bill Draper, Afnahn Khan, Alex Taussig; Assistentes de realização: Maree Cochrane, Luke Doolan, Emma Jamvold, Jennifer Leacey, Glenn Ruehland, Samantha Smith, Eddie Thorne; Departamento de arte: Sean Ahern, Colette Birrell, Matt Connors, Anna Faigen, Michael Horvath; Som: Wayne Pashley, Fabian Sanjurjo; Efeitos especiais: Dan Oliver; Efeitos visuais: Tony Cole, Daniel James Cox, Joyce Cox, Chris Godfrey, Jeremy Kelly-Bakker, Barry St. John, Rebecca Vujanovic; Companhias de produção: Warner Bros. Pictures, Village Roadshow Pictures, A&E Television Networks, Bazmark Films, Spectrum Films, Red Wagon Entertainment; Intérpretes: Leonardo DiCaprio (Jay Gatsby), Tobey Maguire (Nick Carraway), Carey Mulligan (Daisy Buchanan), Joel Edgerton (Tom Buchanan), Isla Fisher (Myrtle Wilson), Jason Clarke (George B. Wilson), Amitabh Bachchan (Meyer Wolfsheim), Elizabeth Debicki (Jordan Baker), Jack Thompson (Henry C. Gatz), Adelaide Clemens (Catherine), Brendan Maclean (Ewing Klipspringer), Kasia Stelmach (Geraldine Peacock), Callan McAuliffe (jovem Jay Gatsby), Gus Murray (Teddy Barton), Kim Knuckey (Senador), Stephen James King (Nelson), Alison Benstead (Anita Loos), Max Cullen, Joel Amos Byrnes, Chris Proctor, Kate Mulvany, Gemma Ward, Jens Holck, Sam Davis, Brenton Prince, Elliott Collinson, Conor Fogarty, Amitabh Bachchan, Steve Bisley, Richard Carter, Jason Clarke, Adelaide Clemens, Vince Colosimo, Max Cullen, Mal Day, Elizabeth Debicki, Lisa Adam, etc. Duração: 142 minutos: Distribuição em Portugal: Columbia TriStar Warner Filmes de Portugal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 16 de Maio de 2013.



O GRANDE GATSBY
Título original: The Great Gatsby
Realização: Jack Clayton (EUA, 1974); Argumento: Francis Ford Coppola, segundo romance de F. Scott Fitzgerald;

Produção: David Merrick, Hank Moonjean; Música: Nelson Riddle; Fotografia (cor): Douglas Slocombe; Montagem: Tom Priestley; Design de produção: John Box; Direcção artística: Robert W. Laing, Gene Rudolf; Decoração: Peter Howitt, Herbert F. Mulligan; Guarda-roupa: Theoni V. Aldredge; Casting: Irene Lamb; Maquilhagem: Ramon Gow, Gary Liddiard, Charles E. Parker; Direcção de produção: Norman I. Cohen, Peter Price; Assistentes de realização: Alex Hapsas, David Tringham, Michael Green, Nigel Wooll, Jeanie Sims; Departamento de arte: Bruno Robotti; Som: Ken Barker, Terry Rawlings, Brian Simmons, Rowland Fowles, Graham V. Hartstone, Otto Snel; Efeitos especiais: Tony Parmelee; Companhias de produção: Paramount Pictures, Newdon Productions; Intérpretes: Robert Redford (Jay Gatsby), Mia Farrow (Daisy Buchanan), Bruce Dern (Tom Buchanan), Karen Black (Myrtle Wilson), Scott Wilson (George Wilson), Sam Waterston (Nick Carraway), Lois (Jordan Baker), Howard Da Silva (Meyer Wolfsheim), Roberts Blossom (Mr. Gatz), Edward Herrmann, Elliott Sullivan, Arthur Hughes, Kathryn Leigh Scott, Beth Porter, Paul Tamarin, John Devlin, Patsy Kensit, Marjorie Wildes, Blain Fairman, Bob Sherman, Norman Chancer, Regina Baff, Janet Arters, Louise Arters, Sammy Smith, Brooke Adams, James Berwick, Sean Collins, Tom Ewell, John Franchi, Linda Hamil, Duncan Inches, Nick Lucas, Jerry Mayer, Vincent Schiavelli, Mildred Shay, Charles Silvern, etc. Duração: 144 minutos: Distribuição em Portugal: Columbia TriStar Warner Filmes de Portugal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 16 de Maio de 2013.