domingo, 23 de abril de 2017

26 DE ABRIL: OS HOMENS DO PRESIDENTE


OS HOMENS DO PRESIDENTE (1976)

1. Sábado, 17 de Junho de 1972, 2.30 da madrugada, cinco homens penetram no Watergate Office Building, em Washington, e entram na sede do Comité Nacional do Partido Democrático, que se encontra ali instalado. Trata-se de um assalto. Com fins que se suspeita inconfessáveis, quando os assaltantes são surpreendidos pela polícia. Os cinco homens fotografam documentação e colocam microfones que iriam permitir escutar as conversas ali mantidas. Não são gatunos vulgares. Vestem elegantemente e dispõem de máquinas e aparelhos extremamente sofisticados. Presos, irão ser julgados. Como normalmente, os jornais delegam para estes casos de aparente pouca importância, os “fait divers” do dia-a-dia de uma grande metrópole, os seus repórteres estagiários. É aí que se “roda” o ofício e adquire experiência. “The Washington Post”, por exemplo, envia para “cobrir” o julgamento Bob Woodward, um jovem com nove meses de casa.
É Bob Woodward (Robert Redford) quem se senta na sala de audiência, pronto a redigir mais uma notícia de poucas linhas e significado meramente “anedótico”. Mas a audiência principia de forma estranha: os réus, que não tinham tido oportunidade de solicitar advogados e para os quais haviam sido indicados “oficiosos”, encontram na sala advogados de certa influência, que ali dizem estar como “observadores”. Quando o juÍz principia o interrogatório, um dos presos afirma ser de profissão “anticomunista”. Confessa-se depois “técnico de seguros” e, na resposta seguinte, denuncia todo o jogo, confessando ter trabalhado recentemente na Agência Central de Informações (vulgo CIA).
Woodward pressente neste momento que os porto-riquenhos e cubanos refugiados que se encontram na barra do tribunal não são só eles próprios, mas algo que os ultrapassa. Descobre, sobretudo, que é necessário investigar o que está por detrás daquele grupo de homens apanhados a violar um “escritório”. Regressado a “The Washington Post”, colocará estas e outras dúvidas aos seus chefes de redacção. Junta-se ao seu trabalho um outro redactor de “The Post”, Carl Bernstein (Dustin Hofman), homem de maior experiência, ainda que igualmente bastante jovem, pessoa tida como excelente “pescador” de informações. Este reforço surge a Woodward simultaneamente antipático e bem-vindo.
Acabará por aceitá-lo e partem ambos à conquista de uma cidade. No que viria a ser um dos mais importantes inquéritos jornalísticos de toda a história da América. “Uma bela prova de jornalismo à americana”, como um dos chefes de redacção de “The Post”, o chamará.
2. “All the President's Men” é o filme que Alan J. Pakula dirigiu, co-produzido por Robert Redford e Walter Coblenz, partindo do livro que entretanto Carl Bernstein e Bob Woodward editaram. O filme acompanha o percurso dos dois jornalistas que lançam o repto a uma nação e aceitam investigar as suas instituições e interrogar as pessoas até descobrirem o que quer integralmente dizer “Watergate”. O cinema americano tem uma honrosa tradição neste tipo de cinema, estilo “detective particular”, sendo muitas vezes esse “detective” um jornalista. Que o ateste Bogart em “A Última Ameaça”, por exemplo.


Desses cinco homens inicialmente apanhados, que mais não eram do que peões de um xadrez muito complexo, Woodward e Bernstein vão lentamente localizando mais nomes, referências, dados, elementos a reunir, a ligar e interligar, num majestoso puzzle que acaba por atingir os homens de confiança do presidente, e finalmente, o próprio Nixon, que se vê constrangido à demissão pública. É deste modo que se descobre que o aparelho reeleitor de Richard Nixon há já muito tempo usava e abusava das técnicas mais sujas para vencer o adversário político, neste caso o Partido Democrático, aqui encabeçado por Mac Govern. Todos os processos eram julgados próprios, da calúnia à violação de residências, das escutas telefónicas à sabotagem de reuniões privadas.
A América assiste, estupefacta. Começa por não acreditar, mas tem de aceitar a força dos argumentos apresentados pelos dois jovens jornalistas. Argumentos irrefutáveis que provam que o banditismo pode ascender também à presidência.
3. “Os Homens do Presidente” é ainda (ou talvez sobretudo?) exemplar como demonstração de uma metodologia da investigação jornalística e da ética profissional que um homem como Ben Bradlee (Jason Robards) personifica. Enquanto os repórteres esmiúçam nomes e endereços, as acusações só saem para a rua, impressas em letra de forma, quando as informações se encontram devidamente comprovadas, incontroversas. Demonstração de algo essencial em jornalismo, que será a base da própria profissão: não acusar ninguém sem um máximo de garantia da veracidade dos factos imputados.
No caso presente, todo o deslindar de “Watergate” poderá ter sido comprometido por uma informação saída a destempo. Não se trata aqui de jornalismo de sensação, emporcalhado pela ignomínia dos processos, mas de jornalismo escorreito, honestamente frontal e combativo, que sabe onde deve deter-se, obrigando-se à pausa reflexiva. “All the President's Men” é, neste aspecto, exemplar.


À fogosidade generosa e impulsiva de Bernstein e Woodward corresponde a serena determinação de Bradlee. Do trabalho conjunto surge este verdadeiro hino a uma imprensa livre e crítica, objectiva e criadora.
Sinfonia a preto e branco (ainda que rodada a cores), “All the President’s Men” alterna, por meio de uma montagem invulgar, no ritmo do corte, na segurança da elipse e do raccord, dois tempos perfeitamente definidos. De um lado, a luz berrante da redacção de “The Washington Post”, do outro, os meandros sombrios que envolvem “os homens do presidente”. A investigação é esse rasgar das trevas, esse progressivo iluminar de ambientes, esse trazer à luz de informações. O filme é a contínua revelação. O desvendar. O desobstruir. O que fica desde logo assinalado na sequência inicial, quando um edifício em completa escuridão é percorrido por cinco indivíduos, enquanto a luz vai avançando pelas salas, conquistando as trevas, rasgando a escuridão, à medida que a polícia penetra nas salas.
Por vezes é das trevas que nasce a luz, como nas cenas em que Woodward se encontra com “Garganta Funda”, seu informador secreto, elemento preponderante ao longo da investigação. Ele é o emissário da noite que aceita conferenciar com a luz. Luz que vai lentamente progredindo ao longo de garagens e ruas desertas e sombrias, de elevadores e casas sinistras, de interiores de carros e de asfaltos nocturnos.
6. De uma sobriedade de escrita que poderá julgar-se “facilidade” de escrita, mas que representa, muito pelo contrário, uma opção estética deliberada e conscientemente assumida, “All the President's Men” é um trabalho minucioso de reconstituição de ambientes, de figuras, de dados, quase podendo falar-se de um “ultra-realismo” encenado rigorosamente e que, no final, se balanceia ao ritmo e segundo o suspense de um “policial” ou de um “filme negro”. Que também é. A cuja tradição vai buscar fôlego e dinâmica própria. Porque se segue “Os Homens do Presidente” com a inquietação e a perplexidade de um “policial”, assim como se interroga a realidade com a lucidez e a perspicácia de quem acompanha um ensaio político.
O Poder, a Política. A corrupção. Derrotados pelas armas que são as teclas de uma máquina de escrever. Que explodem no écran com o impacto terrível de uma detonação mortal. “Os Homens do Presidente” abrem e fecham com a pedrada seca de um telex que grita a todo o mundo a vitória da justiça e da força dos seus argumentos. Como o recorda Bradlee: “É bom que se esqueça o mito que a Imprensa cria à volta da Casa Branca. Eles não são tão espertos como querem fazer crer”. E mais adiante: “Porque o que está em causa neste caso é o primeiro aditamento à Constituição, a liberdade de Imprensa, mesmo o futuro do país”.
A vitória dos dois jornalistas e de “The Washington Post”, longe de ser um “final feliz” e tranquilizante para o espectador, é simultaneamente um alerta sobre a corrupção que alastra e a afirmação indesmentível da força da razão. Quando da razão se faz força, e por ela se luta. Exemplar ainda e encorajante.
7. Difícil se torna, a finalizar, sublinhar a qualidade vibrante da montagem, a eficiência simbólica da fotografia, o rigor da reconstituição. Dos intérpretes, falar da segurança de Redford (produtor do filme e um dos principais instigadores de todo o desenrolar desta reportagem explosiva) ou do talento nervoso de Dustin Hofman poderá ser desnecessário. Mas importará não esquecer o brilhantismo de todos os secundários. Jason Robards e Jack Warden à cabeça. A toda uma equipa que Alan J. Pakula soube dirigir com maestria de um «clássico» e o arrojo de um jovem, se deve este belo exercício de estilo e de moral.


OS HOMENS DO PRESIDENTE
Título original: All the President's Men

Realização: Alan J. Pakula (EUA, 1976); Argumento: William Goldman, Segundo obra de Carl Bernstein e Bob Woodward; Produção: Jon Boorstin, Michael Britton, Walter Coblenz; Música: David Shire; Fotografia (cor): Gordon Willis; Montagem: Robert L. Wolfe; Casting: Alan Shayne; Guarda-roupa: Bernie Pollack; Design de produção: George Jenkins; Decoração: George Gaines; Maquilhagem: Fern Buchner, Don L. Cash, Romaine Greene, Lynda Gurasich, Gary Liddiard; Direcção de Produção: E. Darrell Hallenbeck; Assistentes de realização: Bill Green, Kim Kurumada, Art Levinson, Charles Ziarko; Departamento de arte:  Mike Higelmire, Roger Irvin, Robert Krume, Alan Levine, Bill MacSems, George Szeptycki; Som: Clint Althouse, Milton C. Burrow, Les Fresholtz, Chris McLaughlin, James E. Webb; Efeitos especiais: Henry Millar; Companhias de produção: Warner Bros., Wildwood Enterprises; Intérpretes: Dustin Hoffman (Carl Bernstein), Robert Redford (Bob Woodward), Jack Warden (Harry Rosenfeld), Martin Balsam (Howard Simons), Hal Holbrook (Deep Throat), Jason Robards (Ben Bradlee), Jane Alexander (guarda-livros), Meredith Baxter (Debbie Sloan), Ned Beatty (Dardis), Stephen Collins (Hugh Sloan), Penny Fuller (Sally Aiken), John McMartin, Robert Walden, Frank Wills, F. Murray Abraham, David Arkin, Henry Calvert, Dominic Chianese, Bryan Clark, Nicolas Coster, Lindsay Crouse, Valerie Curtin, Gene Dynarski, Nate Esformes, Ron Hale, Richard Herd, Polly Holliday, James Karen, Paul Lambert, Frank Latimore, Gene Lindsey, Anthony Mannino, Allyn Ann McLerie, James Murtaugh, John O'Leary, Jess Osuna, Neva Patterson, George Pentecost, Penny Peyser, Joshua Shelley, Sloane Shelton, Lelan Smith, Jaye Stewart, Ralph Williams, etc. Duração: 138  minutos; Distribuição em Portugal: Warner; Classificação etária: M/ 12 anos.

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