O GRANDE GATSBY
de
Jack Clayton (1974) a Baz Luhrmann (2013)
The
Great Gatsby”, do norte-americano F. Scott Fitzgerald, é considerado um dos
grandes romances do século XX e um dos que melhor retrata o brilho e o glamour
dos anos 20 e, ao mesmo tempo, todas as contradições sociais e morais que esta
época encerrou e que haveria de desencadear primeiramente a Grande Depressão da
década de 30 e, posteriormente, o conturbado período das ditaduras, sobretudo
na Europa.
Publicado
em 1925, tem como cenário Nova Iorque e Long Island, decorria o verão de 1922.
A América sai do pesadelo da I Guerra Mundial, atravessa a Lei Seca, a
proibição da venda de bebidas alcoólicas, o aparecimento do gangsterismo em
grande escala, deixa-se levar pelas fortunas que se fazem e desfazem num ápice,
sofre o boom bolsista, a efervescência financeira, as bolhas imobiliárias,
dança ao som da explosão do jazz e da loucura das grandes festas, fervilha com
a euforia de uma sociedade a viver na base de uma sensualidade desbragada, de
um materialismo desenfreado, e extasia-se com a criatividade das artes, da
literatura ao cinema, da música ao teatro, da pintura à arquitectura. Vive-se
perigosamente ao volante de carros que atingem os 40 ou 50 quilómetros / hora,
de aviões, de transatlânticos, consome-se whisky e drogas, viaja-se até Paris
para se estar actualizado com as últimas do mundo. Fitzgerald passa por lá, tal
como Hemingway, e tantos outros.
Nick
Carraway, o narrador de “The Great Gatsby”, é um bom retrato deste escritor
fascinado pelas luzes e os sons, pela vertigem e os amores funestos, pelo
glamour dos milionários e do ambiente, mas, ao mesmo tempo, ciente de que tudo
isso representava algo de profundamente sintomático de uma decadência moral e
de uma gritante desigualdade social.
Curiosamente,
“The Great Gatsby” não conheceu desde logo o sucesso de que hoje goza. Apesar
de adaptado ao teatro, em 1926, numa produção do Ambassador Theater, da
Broadway, escrita para palco por Owen Davis, encenada por George Cukor, e até
ter tido uma versão cinematográfica, “O Grande Senhor Gatsby”, igualmente de
1926, realizada por Herbert Brenon, com Warner Baxter, Lois Wilson e Neil
Hamilton, nos principais papéis. Mas a recepção popular foi tímida, e nas
décadas seguintes continuou a não ser devidamente valorizado. Só depois da II
Guerra Mundial, quando voltou a ser reeditado, entre 1945 e 1953, ganhou o
folego que presentemente lhe é dedicado. Sem qualquer tipo de hesitação se pode
afirmar que este é não só um romance de uma geração, mas também uma obra que
ultrapassa gerações e períodos e se instala na qualidade de clássico. Li-o
várias vezes ao longo da vida, reli-o agora por causa da estreia do filme de
Baz Luhrmann, e o encantamento supera-se, a cada nova leitura. A delicadeza da
escrita, a inteligência da estrutura narrativa, a forma subtil, mas acutilante,
como situa personagens e situações, a fina descrição das contradições sociais,
afloradas sem demagogia, mas delimitadas com minucia, tudo isto faz do romance
uma obra admirável, única.
Nick
Carraway, o narrador, o escritor que nos conta o que vamos ler, é um jovem
corrector de bolsa que vem trabalhar para Nova Iorque e se instala em Long
Island, numa casa vizinha do palacete de um excêntrico milionário, Jay Gatsby.
Um braço do Atlântico separa-o da mansão de Tom Buchanan, um rico jogador,
casado com Daisy, prima de Nick.
Gatsby
tem um passado nebuloso, parece que passou por Oxford, enriqueceu possivelmente
à custa das bebidas proibidas, dá festas sumptuosas, todos os sábados, para
onde convergem centenas de pessoas, a maioria das quais sem convite. Sabe-se
depois que Gatsby ama há muito Daisy e que estas festas são uma forma de
“chamar” Daisy para junto de si, o que não acontece. Ela não comparece. Para se
fazer encontrar com ela, pede a Nick que improvise um chá em sua casa, tido
como ocasional. O drama sentimental explode e será o centro nevrálgico do
romance, mas, por detrás desta má gestão das emoções, há todo um retrato de uma
sociedade que é particularmente bem dado, em pinceladas imprecisas, mas
extremamente justas.
F.
Scott Fitzgerald é um escritor admirável, a sua obra não é vasta, mas é
inesquecível. Nascido em 1896 no Minnesota, haveria de morrer novo, em
Hollywood, no ano de 1940. A sua vida foi acidentada, o casamento com Zelda
Sayre conflituoso, e terminaria em tragédia, com o internamento dela num
hospício, e os excessos, sobretudo o álcool, haveriam de precipitar a sorte do
escritor. Para lá desse fabuloso “The Great Gatsby”, assinou ainda “Este Lado do
Paraíso”, “Belos e Malditos”, “Terna é a Noite”, “Contos da Era do Jazz”, e
“The Last Tycoon” (O Último Magnata), este publicado postumamente, em 1941.
“The
Great Gatsby” conheceria ainda duas outras adaptações ao cinema, antes desta
que se encontra presentemente em salas de estreia. Uma de 1949, “Cruel
Mentira”, no seu título português, uma realização de Elliott Nugent,
interpretada por Alan Ladd, Betty Field, Macdonald Carey, outra de 1974,
dirigida pelo britânico Jack Clayton, com argumento escrito por Francis Ford
Coppola e um elenco de luxo, Robert Redford, Mia Farrow, Bruce Dern. Uma obra
bastante interessante.
Baz
Luhrmann, que assina a última versão, apresentada em 3D, é australiano e um
cineasta muito particular. A sua filmografia é reduzida em títulos, mas
exuberante em resultados. Há quem goste, quem admire profundamente, quem não
tolere. “Strictly Ballroom” (Vem Dançar!), data de 1992, é a sua primeira
longa-metragem como realizador. Seguem-se “Romeo + Juliet” (1996), “Moulin
Rouge!” (2001) e “Austrália” (2008). Excessivo e luxuriante nas suas criações,
era com muita curiosidade que se esperava a sua versão de “The Great Gatsby”
(2013), com Leonardo DiCaprio e Carey Mulligan, rodada em grande parte na
Austrália, precisamente em Sidney.
O
resultado foi recebido de forma catastrófica por grande parte da crítica, mas
julgo que existe um enorme preconceito e muita má vontade neste juízo. A obra,
sobretudo vista em, 3D, é muito desequilibrada, surpreendente, inquietante, mas
globalmente muito interessante e fascinante pelas propostas e pelos resultados
conseguidos. O arranque não é brilhante, durante quinze a vinte minutos cheguei
a temer o pior, mas depois entramos no espírito da proposta, mergulhamos na
nebulosa estilística e começa-se a perceber as intenções do cineasta, que cria
um produto absolutamente novo: não é um filme tradicional, nem sequer se
aproxima dos vulgares filmes em 3 D, onde os efeitos se impõem por si só.
Em
“O Grande Gatsby”, as 3D associam-se a outros processos para oferecerem uma
profundidade de campo, um desmultiplicar de planos que torna a obra muito
sugestiva. Neste, como em outros aspectos, lembra-nos “O Mundo a Seus Pés”, de
Orson Welles. Ao que assistimos são imagens que se estendem no espaço, uma
banda sonora que se multiplica, com narração e vozes das personagens, uma
história que vem do passado e se estende para o futuro, ancorada num frágil
presente, são visões de uma estrutura social que só pode tender à tragédia, com
a sofisticada existência dos milionários, ricos e belos, mas igualmente
malditos, e um coro de operários e desprotegidos que os cerca e os caracteriza
obviamente como inúteis e fúteis. E perigosos.
As
3D funcionam como complemento mais visível desse espraiar por diferentes
planos: temos personagens em primeiro plano, palacetes ao fundo, o mar a
intervalá-los, temos pedaços de folhas de papel rasgados, letras e frases que
flutuam entre o espectador e o ecrã. Um ou outro efeito pode ser de gosto
duvidoso, mas de um modo geral, o filme consegue impor um estilo e arrancar
sequências notáveis, cenas de rua com multidões, Time Square em dia de romaria,
festas de arromba, mas também estradas negras povoadas de operários trabalhando
nas obras, enquanto os carros brilhantes dos milionários as cruzam em alta
velocidade, ignorando tudo o que não seja a sua febre de viver, a todo o custo.
Há
muita cinefilia dispersa ao longo da obra. Um cadáver a boiar numa piscina
relembra obviamente “O Crepúsculo dos Deuses” e a própria figura do escritor se
aproxima da protagonizada por William Holden. Orson Welles não deixa de ser
sugerido, até pela composição de Leonard Di Caprio.
Baz
Luhrmann não terá criado a obra-prima que este filme poderia ter sido, mas o
seu arrojo e as suas propostas, juntamente com o trabalho dos actores e a competência
dos técnicos, merecem seguramente a nossa atenção. É um relativo falhanço, mas
um glorioso relativo falhanço.
O
GRANDE GATSBY
Título
original: The Great Gatsby
Realização: Baz Luhrmann
(Austrália, EUA, 2013); Argumento: Baz Luhrmann, Craig Pearce, segundo romance
de F. Scott Fitzgerald; Produção: Lucy Fisher, Catherine Knapman, Baz Luhrmann,
Catherine Martin, Anton Monsted, Douglas Wick; Música: Craig Armstrong;
Fotografia (cor): Simon Duggan; Montagem: Jason Ballantine, Jonathan Redmond,
Matt Villa; Casting: Nikki Barrett, Ronna Kress; Design de produção: Catherine
Martin; Direcção artística: Damien Drew, Ian Gracie, Michael Turner; Decoração:
Beverley Dunn; Guarda-roupa: Catherine Martin; Maquilhagem: Catherine Biggs,
Lara Jade Birch, Maurizio Silvi, Brydie Stone, Lesley Vanderwalt, Kerry Warn;
Direcção de produção: Bill Draper, Afnahn Khan, Alex Taussig; Assistentes de
realização: Maree Cochrane, Luke Doolan, Emma Jamvold, Jennifer Leacey, Glenn
Ruehland, Samantha Smith, Eddie Thorne; Departamento de arte: Sean Ahern,
Colette Birrell, Matt Connors, Anna Faigen, Michael Horvath; Som: Wayne
Pashley, Fabian Sanjurjo; Efeitos especiais: Dan Oliver; Efeitos visuais: Tony
Cole, Daniel James Cox, Joyce Cox, Chris Godfrey, Jeremy Kelly-Bakker, Barry St.
John, Rebecca Vujanovic; Companhias de produção: Warner Bros. Pictures, Village Roadshow Pictures, A&E
Television Networks, Bazmark Films, Spectrum Films, Red Wagon Entertainment; Intérpretes: Leonardo DiCaprio (Jay
Gatsby), Tobey Maguire (Nick Carraway), Carey Mulligan (Daisy Buchanan), Joel
Edgerton (Tom Buchanan), Isla Fisher (Myrtle Wilson), Jason Clarke (George B.
Wilson), Amitabh Bachchan (Meyer Wolfsheim), Elizabeth Debicki (Jordan Baker),
Jack Thompson (Henry C. Gatz), Adelaide Clemens (Catherine), Brendan Maclean
(Ewing Klipspringer), Kasia Stelmach (Geraldine Peacock), Callan McAuliffe
(jovem Jay Gatsby), Gus Murray (Teddy Barton), Kim Knuckey (Senador), Stephen
James King (Nelson), Alison Benstead (Anita Loos), Max Cullen, Joel Amos
Byrnes, Chris Proctor, Kate Mulvany, Gemma Ward, Jens Holck, Sam Davis, Brenton
Prince, Elliott Collinson, Conor Fogarty, Amitabh Bachchan, Steve Bisley,
Richard Carter, Jason Clarke, Adelaide Clemens, Vince Colosimo, Max Cullen, Mal
Day, Elizabeth Debicki, Lisa Adam, etc. Duração: 142 minutos:
Distribuição em Portugal: Columbia TriStar Warner Filmes de Portugal;
Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 16 de Maio de
2013.
O
GRANDE GATSBY
Título
original: The Great Gatsby
Realização: Jack Clayton (EUA,
1974); Argumento: Francis Ford Coppola, segundo romance de F. Scott Fitzgerald;
Produção: David Merrick, Hank Moonjean; Música: Nelson Riddle;
Fotografia (cor): Douglas Slocombe; Montagem: Tom Priestley; Design de
produção: John Box; Direcção artística: Robert W. Laing, Gene Rudolf;
Decoração: Peter Howitt, Herbert F. Mulligan; Guarda-roupa: Theoni V. Aldredge;
Casting: Irene Lamb; Maquilhagem: Ramon Gow, Gary Liddiard, Charles E. Parker;
Direcção de produção: Norman I. Cohen, Peter Price; Assistentes de realização:
Alex Hapsas, David Tringham, Michael Green, Nigel Wooll, Jeanie Sims;
Departamento de arte: Bruno Robotti; Som: Ken Barker, Terry Rawlings, Brian
Simmons, Rowland Fowles, Graham V. Hartstone, Otto Snel; Efeitos especiais:
Tony Parmelee; Companhias de produção: Paramount Pictures, Newdon Productions; Intérpretes:
Robert Redford (Jay Gatsby), Mia Farrow (Daisy Buchanan), Bruce Dern (Tom
Buchanan), Karen Black (Myrtle Wilson), Scott Wilson (George Wilson), Sam
Waterston (Nick Carraway), Lois (Jordan Baker), Howard Da Silva (Meyer Wolfsheim), Roberts Blossom (Mr.
Gatz), Edward Herrmann, Elliott Sullivan, Arthur Hughes, Kathryn Leigh Scott, Beth
Porter, Paul Tamarin, John Devlin, Patsy Kensit, Marjorie Wildes, Blain Fairman,
Bob Sherman, Norman Chancer, Regina Baff, Janet Arters, Louise Arters, Sammy
Smith, Brooke Adams, James Berwick, Sean Collins, Tom Ewell, John Franchi, Linda
Hamil, Duncan Inches, Nick Lucas, Jerry Mayer, Vincent Schiavelli, Mildred Shay,
Charles Silvern, etc. Duração:
144 minutos: Distribuição em Portugal: Columbia TriStar Warner Filmes de
Portugal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 16 de
Maio de 2013.
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