O
GIGANTE (1956)
“Giant”
é um daqueles painéis históricos que, partindo da gesta de uma família, nos
procura dar o retrato das transformações sociais por que passou a sociedade
norte-americana durante um certo lapso de tempo. Estamos no Texas, em plena primeira
metade do século XX, e o centro de atenção é Benedict Reata, um rancho, desde
sempre pertencente à família de Jordan Benedict (Rock Hudson), um rancheiro à
moda antiga, cuja principal fonte económica é o gado. São milhares e milhares
de hectares a perder de vista, com um pequeno e miserável “Pueblo” mexicano lá
incrustado, onde vivem os empregado e respectivas famílias. Mas este é apenas
um dos retratos da América. No início do filme, Jordan Benedict encontra-se no
outro extremo dos EUA, em Mariland, no leste, onde vai comprar um puro-sangue
indomável. Jordan chega a este pedaço de terra americana que relembra os
verdejantes campos de Inglaterra com a única ideia de trazer o cavalo para o
seu rancho, mas acaba por fazer-se acompanhar, no regresso, igualmente pela
filha do proprietário, a jovem e bela Leslie Lynnton (Elizabeth Taylor), uma
mulher totalmente diferente das do Texas, educada, sensível, independente, que
olha com alguma indignação as condições de vida dos mexicanos que vai
encontrar. Mas não só isso. Em Reata, quem dirige a casa com mão de ferro é Luz
(Mercedes McCambridge), a irmã de Jordan, e também entre ambas a harmonia não é
completa. Muito pelo contrário. De resto, um dos empregados de Reata, Jett Rink
(James Dean), é insolente e pouco cooperante, armazenando consecutivas ameaças
de despedimento que, a partir daí, serão atenuadas pela interferência de Leslie
que sente alguma compreensão por este “rebelde” aqui com causa.
Estamos
na década de 20, e o filme irá prolongar-se até bem depois do final da II
Guerra Mundial. Jett Rink acabará por herdar uma pequena propriedade a que
arrogantemente irá chamar “Little Reata” e de onde, num lampejo de sorte e
perseverança, irão brotar dezenas e dezenas de poços de petróleo. Aqui se
instala, na segunda parte desta epopeia familiar, um novo e complexo confronto,
entre o tradicional rancheiro de gado e o novo proprietário de petróleo, que
num ápice se transforma num agressivo capitalista.
Há,
portanto, vários assuntos mesclados nesta história que parte de um
“best-seller” de Edna Ferber e que se desenvolve ao longo de mais de três horas
que o talento de George Stevens e dos seus colaboradores (técnicos e actores) impõe
que se acompanhe com singular interesse. Desde o esboço familiar até ao
conflito final que opõe Jordan e Jett, “O Gigante” mobiliza diferentes acções e
debate várias questões, todas elas interessantes e pertinentes, quer a um nível
individual (a relação Jordan e Leslie, por exemplo), familiares (Leslie e Luz,
particularmente, mas depois também, e ainda com maior clareza, o desencontro de
gerações, entre Jordan e os filhos) ou sociais (onde o racismo e a exploração
dos empregados sobressai, numa primeira etapa, para depois se agudizar entre
conceitos diversos de exploração da terra e de erguer sobre ela uma economia
capitalista). Parte-se, portanto, de um microcosmos para se atingir uma análise
mais vasta que tem por meta a própria América e os seus valores (nalguns
aspectos a negação de valores, na descriminação entre raças, entre homem e
mulher, entre patrões e empregados, etc.).
O
filme de George Stevens tem um olhar reformista, acredita que a sociedade vai
evoluindo lentamente para melhores e mais justos tempos, e tem em conta que os
“maus costumes” serão certamente castigados e as boas práticas acabarão por se
impor. É uma visão americana por excelência, de quem acredita numa determinada
concepção de democracia que caminha inexoravelmente para o progresso e o
bem-estar colectivo. Haverá vozes que não acreditam nesta concepção, mas o filme
de Stevens mostra-se bem intencionado nos seus propósitos e não escamoteia nem
problemas dramáticos nem adversidades concretas, na sua ânsia por soluções mais
justas. Resta ainda sublinhar que, sendo uma obra de 1956, “O Gigante”
participa de um olhar novo que surge na sociedade norte-americana e que irá
explodir na década seguinte com as lutas de emancipação de negro e das
mulheres, a assunção do “flower power” e dos movimentos juvenis e
universitários.
Stevens
é um cineasta brilhante nalguns dos seus momentos e “O Gigante” ostenta uma
narrativa sólida e um métier não só eficaz como por vezes inspirado. Estamos
num tempo em que o cinema clássico de Hollywood procurava contar histórias
servindo-se particularmente do poder da imagem, das elipses sugeridas, das
metáforas adivinhadas e neste aspecto a obra é sintomática deste período
brilhante, servida por uma voz pessoal que se sustenta ao longo de uma
filmografia carregada de sucessos. Esta obra, que seria a mais cara alguma vez
produzida pela Warner até essa altura (quase 5,5 milhões de dólares), iria
arrecadar mais de 35 milhões na sua estreia, colocando-se ao lado de alguns
outros gigantes de idênticas intenções (a começar desde logo por “O Nascimento
de Uma Nação” de Griffith, passando por “E Tudo o Vento Levou”, de Fleming,
para terminar, décadas depois, no “Era Uma Vez na América”, de Leoni).
Para
solidificar ainda mais este desígnio de filme de culto e de obra charneira de
uma determinada época, “Giant” viu acrescentar-lhe uma efeméride de difícil
esquecimento: foi a última obra interpretada por James Dean, que, pouco depois
de ter terminado a rodagem, morreria tragicamente num acidente de automóvel. O
filme só seria estreado meses depois, pesando sobre ele essa carga trágica que
transformaria para sempre James Dean num ícone norte-americano e mundial. Mas a
película conta com um excelente naipe de actores, entre os quais Rock Hudson,
Elizabeth Taylor, Carroll Baker, Mercedes McCambridge, Chill Wills, Dennis
Hopper, Sal Mineo, Earl Holliman, etc. Curiosamente, sobretudo ao nível do
elenco mais jovem, alguns dos actores que tinham aparecido ao lado de James
Dean em “Fúria de Viver”.
Na
cerimónia de atribuição dos Oscars referentes a esse ano, apenas George Stevens
ganharia o de Melhor Realizador, mas a obra seria ainda nomeada para Melhor
Filme, Melhor Argumento Adaptado (Fred Guiol e Ivan Moffat), Melhor Actor
(James Dean, nomeação póstuma, e Rock Hudson), Melhor Actriz Secundária
(Mercedes McCambridge), Melhor Música (Dimitri Tiomkin), Melhor Direcção
Artística (Boris Leven e Ralph S. Hurst); Melhor Guarda-Roupa (Moss Mabry e
Marjorie Best) e Melhor Montagem (William Hornbeck, Philip W. Anderson e Fred
Bohanan). Nesse ano, “A Volta ao Mundo em 80 Dias” e “O Rei e Eu”, obras
interessantes, mas menores ao lado de “O Gigante”, ganhariam as honras da
noite.
O GIGANTE
Título original: Giant
Realização: George Stevens
(EUA, 1956); Argumento: Fred Guiol, Ivan Moffat, segundo romance de Edna
Ferber; Produção: Henry Ginsberg, George Stevens; Música: Dimitri Tiomkin;
Fotografia (cor): William C. Mellor; Montagem: William Hornbeck, Robert
Lawrence; Casting: Hoyt Bowers; Design de produção: Boris Leven; Decoração:
Ralph S. Hurst; Guarda-roupa: Marjorie Best; Maquilhagem: Gordon Bau, Pat
Westmore; Direcção de produção: Tom Andre; Assistentes de realização: Fred
Guiol, Russell Llewellyn, Joseph E. Rickards; Som: Earl Crain Sr., C.J.
'Mickey' Emerson; Efeitos especiais: Ralph Webb: Efeitos visuais: Jack
Cosgrove; Companhias de produção: Giant Productions, Warner Bros. Pictures; Intérpretes:
Elizabeth Taylor (Leslie Benedict), Rock Hudson (Jordan 'Bick' Benedict Jr.),
James Dean (Jett Rink), Carroll Baker (Luz Benedict II), Jane Withers (Vashti
Snythe), Chill Wills (Tio Bawley), Mercedes McCambridge (Luz Benedict), Dennis
Hopper (Jordan Benedict III), Sal Mineo (Angel Obregón II), Rod Taylor (Sir
David Karfrey), Judith Evelyn (Mrs. Nancy Lynnton), Earl Holliman ('Bob' Dace),
Robert Nichols, Paul Fix, Alexander Scourby, Fran Bennett, Charles Watts, Elsa
Cárdenas, Carolyn Craig, Monte Hale, Sheb Wooley, Mary Ann Edwards, Victor
Millan, Mickey Simpson, Pilar Del Rey, Maurice Jara, Noreen Nash, Ray Whitley,
Napoleon Whiting, etc. Duração: 201 minutos;
Distribuição em Portugal: Warner Bros. (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos;
Estreia em Portugal: 17 de Abril de 1957.
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