sexta-feira, 17 de março de 2017

29 DE MARÇO DE 2017: O GIGANTE


O GIGANTE (1956)

“Giant” é um daqueles painéis históricos que, partindo da gesta de uma família, nos procura dar o retrato das transformações sociais por que passou a sociedade norte-americana durante um certo lapso de tempo. Estamos no Texas, em plena primeira metade do século XX, e o centro de atenção é Benedict Reata, um rancho, desde sempre pertencente à família de Jordan Benedict (Rock Hudson), um rancheiro à moda antiga, cuja principal fonte económica é o gado. São milhares e milhares de hectares a perder de vista, com um pequeno e miserável “Pueblo” mexicano lá incrustado, onde vivem os empregado e respectivas famílias. Mas este é apenas um dos retratos da América. No início do filme, Jordan Benedict encontra-se no outro extremo dos EUA, em Mariland, no leste, onde vai comprar um puro-sangue indomável. Jordan chega a este pedaço de terra americana que relembra os verdejantes campos de Inglaterra com a única ideia de trazer o cavalo para o seu rancho, mas acaba por fazer-se acompanhar, no regresso, igualmente pela filha do proprietário, a jovem e bela Leslie Lynnton (Elizabeth Taylor), uma mulher totalmente diferente das do Texas, educada, sensível, independente, que olha com alguma indignação as condições de vida dos mexicanos que vai encontrar. Mas não só isso. Em Reata, quem dirige a casa com mão de ferro é Luz (Mercedes McCambridge), a irmã de Jordan, e também entre ambas a harmonia não é completa. Muito pelo contrário. De resto, um dos empregados de Reata, Jett Rink (James Dean), é insolente e pouco cooperante, armazenando consecutivas ameaças de despedimento que, a partir daí, serão atenuadas pela interferência de Leslie que sente alguma compreensão por este “rebelde” aqui com causa.
Estamos na década de 20, e o filme irá prolongar-se até bem depois do final da II Guerra Mundial. Jett Rink acabará por herdar uma pequena propriedade a que arrogantemente irá chamar “Little Reata” e de onde, num lampejo de sorte e perseverança, irão brotar dezenas e dezenas de poços de petróleo. Aqui se instala, na segunda parte desta epopeia familiar, um novo e complexo confronto, entre o tradicional rancheiro de gado e o novo proprietário de petróleo, que num ápice se transforma num agressivo capitalista.


Há, portanto, vários assuntos mesclados nesta história que parte de um “best-seller” de Edna Ferber e que se desenvolve ao longo de mais de três horas que o talento de George Stevens e dos seus colaboradores (técnicos e actores) impõe que se acompanhe com singular interesse. Desde o esboço familiar até ao conflito final que opõe Jordan e Jett, “O Gigante” mobiliza diferentes acções e debate várias questões, todas elas interessantes e pertinentes, quer a um nível individual (a relação Jordan e Leslie, por exemplo), familiares (Leslie e Luz, particularmente, mas depois também, e ainda com maior clareza, o desencontro de gerações, entre Jordan e os filhos) ou sociais (onde o racismo e a exploração dos empregados sobressai, numa primeira etapa, para depois se agudizar entre conceitos diversos de exploração da terra e de erguer sobre ela uma economia capitalista). Parte-se, portanto, de um microcosmos para se atingir uma análise mais vasta que tem por meta a própria América e os seus valores (nalguns aspectos a negação de valores, na descriminação entre raças, entre homem e mulher, entre patrões e empregados, etc.).
O filme de George Stevens tem um olhar reformista, acredita que a sociedade vai evoluindo lentamente para melhores e mais justos tempos, e tem em conta que os “maus costumes” serão certamente castigados e as boas práticas acabarão por se impor. É uma visão americana por excelência, de quem acredita numa determinada concepção de democracia que caminha inexoravelmente para o progresso e o bem-estar colectivo. Haverá vozes que não acreditam nesta concepção, mas o filme de Stevens mostra-se bem intencionado nos seus propósitos e não escamoteia nem problemas dramáticos nem adversidades concretas, na sua ânsia por soluções mais justas. Resta ainda sublinhar que, sendo uma obra de 1956, “O Gigante” participa de um olhar novo que surge na sociedade norte-americana e que irá explodir na década seguinte com as lutas de emancipação de negro e das mulheres, a assunção do “flower power” e dos movimentos juvenis e universitários.  
Stevens é um cineasta brilhante nalguns dos seus momentos e “O Gigante” ostenta uma narrativa sólida e um métier não só eficaz como por vezes inspirado. Estamos num tempo em que o cinema clássico de Hollywood procurava contar histórias servindo-se particularmente do poder da imagem, das elipses sugeridas, das metáforas adivinhadas e neste aspecto a obra é sintomática deste período brilhante, servida por uma voz pessoal que se sustenta ao longo de uma filmografia carregada de sucessos. Esta obra, que seria a mais cara alguma vez produzida pela Warner até essa altura (quase 5,5 milhões de dólares), iria arrecadar mais de 35 milhões na sua estreia, colocando-se ao lado de alguns outros gigantes de idênticas intenções (a começar desde logo por “O Nascimento de Uma Nação” de Griffith, passando por “E Tudo o Vento Levou”, de Fleming, para terminar, décadas depois, no “Era Uma Vez na América”, de Leoni).


Para solidificar ainda mais este desígnio de filme de culto e de obra charneira de uma determinada época, “Giant” viu acrescentar-lhe uma efeméride de difícil esquecimento: foi a última obra interpretada por James Dean, que, pouco depois de ter terminado a rodagem, morreria tragicamente num acidente de automóvel. O filme só seria estreado meses depois, pesando sobre ele essa carga trágica que transformaria para sempre James Dean num ícone norte-americano e mundial. Mas a película conta com um excelente naipe de actores, entre os quais Rock Hudson, Elizabeth Taylor, Carroll Baker, Mercedes McCambridge, Chill Wills, Dennis Hopper, Sal Mineo, Earl Holliman, etc. Curiosamente, sobretudo ao nível do elenco mais jovem, alguns dos actores que tinham aparecido ao lado de James Dean em “Fúria de Viver”.
Na cerimónia de atribuição dos Oscars referentes a esse ano, apenas George Stevens ganharia o de Melhor Realizador, mas a obra seria ainda nomeada para Melhor Filme, Melhor Argumento Adaptado (Fred Guiol e Ivan Moffat), Melhor Actor (James Dean, nomeação póstuma, e Rock Hudson), Melhor Actriz Secundária (Mercedes McCambridge), Melhor Música (Dimitri Tiomkin), Melhor Direcção Artística (Boris Leven e Ralph S. Hurst); Melhor Guarda-Roupa (Moss Mabry e Marjorie Best) e Melhor Montagem (William Hornbeck, Philip W. Anderson e Fred Bohanan). Nesse ano, “A Volta ao Mundo em 80 Dias” e “O Rei e Eu”, obras interessantes, mas menores ao lado de “O Gigante”, ganhariam as honras da noite.

O GIGANTE
Título original: Giant

Realização: George Stevens (EUA, 1956); Argumento: Fred Guiol, Ivan Moffat, segundo romance de Edna Ferber; Produção: Henry Ginsberg, George Stevens; Música: Dimitri Tiomkin; Fotografia (cor): William C. Mellor; Montagem: William Hornbeck, Robert Lawrence; Casting: Hoyt Bowers; Design de produção: Boris Leven; Decoração: Ralph S. Hurst; Guarda-roupa: Marjorie Best; Maquilhagem: Gordon Bau, Pat Westmore; Direcção de produção: Tom Andre; Assistentes de realização: Fred Guiol, Russell Llewellyn, Joseph E. Rickards; Som: Earl Crain Sr., C.J. 'Mickey' Emerson; Efeitos especiais: Ralph Webb: Efeitos visuais: Jack Cosgrove; Companhias de produção: Giant Productions, Warner Bros. Pictures; Intérpretes: Elizabeth Taylor (Leslie Benedict), Rock Hudson (Jordan 'Bick' Benedict Jr.), James Dean (Jett Rink), Carroll Baker (Luz Benedict II), Jane Withers (Vashti Snythe), Chill Wills (Tio Bawley), Mercedes McCambridge (Luz Benedict), Dennis Hopper (Jordan Benedict III), Sal Mineo (Angel Obregón II), Rod Taylor (Sir David Karfrey), Judith Evelyn (Mrs. Nancy Lynnton), Earl Holliman ('Bob' Dace), Robert Nichols, Paul Fix, Alexander Scourby, Fran Bennett, Charles Watts, Elsa Cárdenas, Carolyn Craig, Monte Hale, Sheb Wooley, Mary Ann Edwards, Victor Millan, Mickey Simpson, Pilar Del Rey, Maurice Jara, Noreen Nash, Ray Whitley, Napoleon Whiting, etc. Duração: 201 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros. (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 17 de Abril de 1957.

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